OS RISCOS DOS JOGOS ELETRÔNICOS NA IDADE INFANTIL E JUVENIL

OS RISCOS DOS JOGOS ELETRÔNICOS NA IDADE INFANTIL E JUVENIL

Valdemar W. Setzer
Depto. de Ciência da Computação, Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo
www.ime.usp.br/~vwsetzer
Versão de 2001

(O autor chama a atenção para o fato de este artigo ser razoavelmente antigo, mas considera os seus argumentos ainda válidos. Deveria haver uma complementação com outros argumentos e resultados de pesquisas recentes. Para isso, recomenda uma complementação com seu artigo “Os efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças, adolescentes e adultos” onde há citação literal de mais de 100 artigos científicos corroborando suas ideias.)1. Introdução

Este artigo foi escrito originalmente em 1992, em inglês. Posteriormente, foi reescrito em conjunto com George Duckett, que era então um aluno de doutorado na Faculdade de Educação da Deakin Universty, Austrália (disponível em meu “site”), onde ele foi publicado. Uma tradução de meu artigo original foi feita por Jacira Cardoso, e publicada como apêndice de [Lanz 1998]. A presente versão combina o meu artigo original com alguns pontos da versão em co-autoria com Duckett; fiz ainda várias extensões e modificações. No artigo com Duckett, este citou várias referências bibliográficas às quais ele tinha acesso; elas serão marcadas no texto com um ‘*’.

É interessante notar que há relativamente pouca literatura a respeito dos efeitos de joguinhos eletrônicos nos jogadores, a despeito da imensa quantia gasta com eles pelos seus compradores Noticiou-se um gasto de mais de 10,5 bilhões de dólares em joguinhos de uso doméstico no mundo todo somente em 1993, sendo 5,3 bilhões só nos Estados Unidos – 400 milhões a mais do que foi gasto em ir ao cinema [Elmer-Dewitt 1993 pg. 56 *]. Atualmente, a venda anual só nos Estados Unidos é de 16 bilhões de dólares (V. item 6). Talvez justamente os interesses dos fabricantes tenham impedido que se demonstrasse os desastrosos efeitos dos jogos eletrônicos violentos. Não abordo aqui alguns prejuízos fisiológicos óbvios, como lesões nas mãos (tendinite e outras); estou mais interessado em prejuízos psicológicos e psíquicos.Com a finalidade de expressar minha opinião sobre os jogos eletrônicos, iniciarei fazendo uma observação fenomenológica sobre esses jogos e seus usuários, com ênfase especial para o caso das crianças. Então será possível delinear conclusões sobre as conseqüências de seu uso e que atitude tomar com relação aos mesmos.

2. O que são os jogos eletrônicos

Jogos eletrônicos dividem-se em várias categorias, como “estímulo-resposta”, “simulação” (como a simulação de uma cidade), e “jogos de tabuleiro eletrônico” (como o “xadrez eletrônico”). Aqui serão abordados apenas os jogos do tipo “estímulo-resposta”, por serem os mais populares. Em geral apresentam as seguintes características: ambiente altamente competitivo e combativo, altos níveis de violência, de movimentação e de rapidez das imagens exibidas na tela, de atividades de estímulo e resposta, e de excitação.

Os jogos eletrônicos possuem, em geral, três componentes principais: um teclado, uma tela de exibição onde constam algumas figuras e um microcomputador. Existem algumas variações que empregam, em lugar do (ou em adição ao) teclado, “joy-sticks” ou um detector de luz em forma de revólver que acusa para qual região da tela se está apontando com o mesmo. Será tratado aqui o dispositivo mais popular, o teclado; todas as considerações serão válidas para todos os demais.

3. O estado do jogador

Em geral, o microcomputador produz figuras animadas na tela. O jogador observa-a e faz pequenos movimentos com seus dedos, pressionando teclas do teclado. O microcomputador detecta quais teclas foram pressionadas e produz alterações em algumas das figuras exibidas. Contrariamente ao caso da TV, nos joguinhos forma-se um circuito fechado tela-jogador-microcomputador. No jogo de tipo estímulo-resposta, o jogador joga contra o aparelho, tendo de exercitar rapidamente reações às mudanças das figuras. Se a reação é lenta, haverá perda de pontos no jogo ou, eventualmente, do próprio jogo.

Nos jogos portáteis, nos que são acoplados a um aparelho de TV e nos que funcionam em um microcomputador, o jogador está em geral sentado com a cabeça imóvel. As mãos e os braços do jogador quase não se movem, a menos de jogos de “fliperamas”, onde há um pouco mais movimento e o jogador em geral está em pé. Como a tela é fixa e um tanto pequena (tanto no pequeno jogo portátil, que o jogador leva consigo, como no caso de uma tela de tevê, que fica mais longe dele), não há movimento da cabeça e nem dos olhos. O jogador está normalmente sentado, de modo que se pode observar uma passividade física geral, com exceção de pequenos movimentos da mão e de alguns dedos. Do ponto de vista de seus sentidos, somente a visão e eventualmente a audição (quando há som, em geral ruído, emitido pela máquina) estão parcialmente ativas. A “parcialidade” é devida à inatividade da maioria das funções oculares: o cristalino não está ativado (distância constante do objeto), como tampouco a pupila (luminosidade praticamente constante) e os músculos que produzem os movimentos do olho (objeto fixo). Em situações normais, esses músculos produzem uma varredura do olho, que continuamente “tateia” os objetos sendo observados, pois o ângulo de visão nítida é muito pequeno, de cerca de 2 graus; esse movimento ocorre até ao se ver uma figura em um livro, de tamanho 3×4 [Patzlaff 2000 pg. 18].O som é praticamente pontual, oriundo do alto-falante. Tanto a visão quanto a audição não são estimuladas por imagens e sons sutis porque estes são muito grosseiros, ou seja, um esforço de acuidade não é requerido.

Sentimentos estão sendo ativados, como se pode observar pela expressão de sucesso ou frustração exibida pelo jogador. Essa atividade é produzida por um estímulo externo na tela do jogo, ou seja, não se deve a alguma representação mental, interiormente criada pelo jogador, como teria sido o caso de recordar algo, escrever ou ler um texto ou mesmo de simplesmente ouvir uma narrativa. Esses sentimentos são criados artificialmente, nada tendo a ver com a “realidade” do mundo. Eu os chamo de sentimentos de desafio.

A vontade do jogador está ativa, mas de maneira bem parcial, porque os movimentos que o jogador tem de executar são muito limitados, repetitivos e pré-determinados. Eles são feitos sem esforço, e portanto não há necessidade de exercitar a força de vontade. Também não há esforço de concentração mental, como veremos logo adiante. O jogador fica tão excitado que não tem de fazer um esforço de vontade para continuar jogando. Ao contrário, necessita de um vigoroso esforço interior para parar de jogar, porque o jogo exerce uma tremenda atração.

O pensar consciente do jogador está obliterado. Pode-se comparar essa situação com a de um jogador de xadrez. Neste caso, o pensar é absolutamente essencial e os movimentos motores totalmente secundários. No jogo eletrônico, os últimos são essenciais e o pensar consciente só perturba o jogo. Pode-se compreender por que o pensamento consciente não pode estar ativo, considerando-se que ele é relativamente lento. Mas, no jogo de tipo “estímulo-resposta”, se o jogador refletir no que está vendo na tela e no próximo movimento que deverá fazer com os dedos, perderá muito tempo e portanto pontos ou o próprio jogo.

Movimentos motores automáticos e rápidos, pensar consciente e auto-consciência eliminados, sentimentos de desafio estimulados por objetivos exatos: esse estado nos leva a caracterizar o jogador como um autômato, uma máquina que transforma impulsos visualmente restritos em movimentos motores extremamente limitados. De fato, pode-se imaginar o jogador substituído, com grande vantagem do ponto de vista dos pontos a ganhar, por uma máquina. Por outro lado, ele fica reduzido às reações típicas de animais reagindo a impulsos vindos do meio exterior, sem refletir sobre as conseqüências de seus atos, isto é, agindo como seres amorais. Tal qual um animal, o jogador não age em liberdade, porque esta requer reflexão consciente. Por exemplo, não se pode dizer que um bêbado age em liberdade, pois ele não está auto-consciente, pensando em suas ações e suas conseqüências [Steiner 2000 pg. 17].

Um outro aspecto é o que se pode chamar de “desindividuação” do jogador. No pensar nós somos seres universais, pois por meio dele podemos entrar em contato com idéias objetivas, como os conceitos matemáticos. Por exemplo, o conceito de circunferência não depende da subjetividade do pensador. Por outro lado, sentimentos e vontade são atividades interiores subjetivas, portanto estritamente individuais: uma pessoa sente um estímulo e reage a ele diferentemente de outras pessoas. No caso de jogos eletrônicos, sentimentos e vontade são forçados a seguir um padrão, que é praticamente o mesmo para todo jogador. Ou seja, o jogo não individualiza – ao contrário, “massifica”. Pode-se objetar que para cada situação de jogo existe um número de ações motoras diferentes que podem ser realizadas. Primeiramente, essa variação é extremamente limitada, caracterizando um padrão rígido. Em segundo lugar, o sentimento de desafio é praticamente o mesmo para todos, com óbvias variações no grau de envolvimento. Compare-se essa situação com a de se estar lendo um romance: o texto, ou seja, o estímulo sensorial, é o mesmo para todos os leitores; no entanto, sentimentos e ações baseados neles serão totalmente diversos, porque todo leitor cria suas próprias imagens. Estas são adaptadas à personalidade, gosto e experiência do leitor que, aliás, segue seu próprio ritmo de leitura. Durante o jogo, tal como ao se assistir à TV, nada há a ser imaginado porque as imagens surgem prontas na tela – mais uma razão para o pensamento consciente estar inativo.

Como é possível compreender a obsessão que certas pessoas sentem por esses jogos, tornando-se incapazes de desligar-se deles durante muitas horas, eventualmente durante meses? Como já vimos, os pensamentos do jogador são obliterados, de modo que ele pára de pensar em seus problemas. A excitação competitiva prende o jogador à situação criada pela máquina, de modo que seus sentimentos normais também ficam impedidos. Isso pode ser altamente desejável para alguém que leve uma vida enfadonha, ou que gostaria de esquecer seu cotidiano desagradável, seus aborrecimentos e frustrações. Infelizmente esses problemas não foram encarados e resolvidos: houve uma fuga meramente temporária em relação a eles.

Pode-se comparar o vício tão comum de jogar esses jogos, com o de drogas ou de jogos de cassino? Talvez a excitação que ocorre em todos esses casos seja a causa do vício, podendo ter, além das psicológicas, componentes fisiológicas, como a produção de adrenalina ou substâncias químicas que podem dar ao jogador uma sensação de bem estar relacionada com o estímulo recebido pelo ato de jogar.

Com tudo isso, pode-se concluir que em termos de comportamento os jogos eletrônicos têm como conseqüência, por um lado, a “animalização” do ser humano, pois como nos animais, ele reage sempre sem refletir calmamente nas conseqüências de seus atos. O ambiente lembra bem uma experiência de reflexo condicionado pavloviano. Por outro lado, produzem um “maquinização” do jogador, pois ele é obrigado a exercer ações mecânicas automáticas. Ambos significam sua destruição, extremamente perigosa por ser muito sutil e fisicamente imperceptível. A situação é ainda mais trágica quando o jogador é uma criança ou um jovem, pois nesses casos o ser ainda está em processo de formar suas capacidades interiores. Portanto, ele é muito mais maleável e transformável do que um adulto. A esse respeito, seria interessante fazer oito observações.

4. Efeitos sobre crianças e jovens

4.1 primeiro ponto está ligado ao bem conhecido fato de que os tecidos nervosos, quando danificados, não se recompõem. No entanto, um trauma neurológico que cause algum distúrbio, por exemplo no âmbito motor, pode ser superado com exercícios fisioterapêuticos. Desse modo a pessoa traumatizada eventualmente recupera o domínio sobre os movimentos perdidos. Supõe-se que sejam empregados novos “caminhos neurológicos” que não estavam em uso antes. O jogo eletrônico provavelmente cria esses novos caminhos no usuário, de modo que ele possa executar as específicas funções visuais e motoras não-normais, extremamente especializadas, requeridas pelo jogo. Isso é bom ou ruim? Certamente o uso desses novos “canais” não é normal, porque a situação que os criou é totalmente artificial, não ocorrendo na vida cotidiana. Mais tarde, provavelmente, a situação dará ensejo a reações inconscientes em situações similares àquelas apresentadas pelos jogos. Quando as crianças estão precisamente desenvolvendo seus caminhos neurológicos, que estão intimamente conectados ao desenvolvimento de suas habilidades para andar, falar e pensar, o estabelecimento desses novos atalhos é, em seu caso, muito mais fácil. Acredito que essa é uma das razões por que elas têm, nesses jogos, um desempenho muito melhor do que o dos adultos. (Uma outra razão poderia ser o fato de crianças não terem o pensar e a consciência plenamente desenvolvidos e ativos, característicos dos adultos, de modo que não precisam fazer qualquer esforço para “desligar” essas atividades interiores.) Talvez os canais “anormais” até prejudiquem os “normais”, tanto que eu não ficaria surpreso pelo fato de uma criança se tornar disléxica, desenvolver tiques nervosos ou adquirir problemas de fala ou concentração como uma conseqüência de intenso uso de jogos. Há algum tempo jornais americanos publicaram notícias, informando que algumas crianças viciadas em jogos eletrônicos falavam muito rapidamente, sem muito sentido e sem qualquer conteúdo sentimental. Esse fato sugere que essas crianças falavam com uma velocidade análoga ao uso que elas fazem de seus dedos enquanto praticam os jogos. Note-se que existe uma correspondência entre falar e gesticular, o que é fisiologicamente explicado pela proximidade, no cérebro, dos centros neurológicos da motricidade e da linguagem. Parece-me que essas crianças teriam se tornado máquinas mímicas.

4.2 O segundo ponto refere-se à especialização representada pelos jogos. Crianças e jovens deveriam ser generalistas, e não especialistas. O ser humano leva de 1/4 a 1/3 de sua vida (cerca de 21 anos) para tornar-se um adulto com todas as suas funções adequadamente desenvolvidas. Animais aceleram altamente esse período, como por exemplo um potro, que está apto a sustentar-se sobre suas pernas cerca de duas horas após o nascimento. Como conseqüência, eles se tornam especializados nas funções que são típicas da espécie. O ser humano pode especializar-se em qualquer função porque não é fisicamente especializado, preservando os traços físicos embrionários (neotenia). O exemplo mais típico desse fato talvez seja o de nossas mãos: as patas dianteiras da maioria dos animais são super-especializadas, adequadas à funcionalidade que caracteriza a espécie, contrariamente às nossas mãos. Estas preservam, durante toda a vida, seu estágio embrionário não-especializado, e como resultado nós podemos usá-las para escrever, para pintar, para tocar instrumentos, para acariciar, para fazer toda sorte de ações refinadas que os animais não podem fazer. (Como uma observação lateral, note-se que nesse sentido nossas mãos são menos evoluídas do que as patas dianteiras dos animais…) Sou contra a especialização prematura de crianças, como, por exemplo, no caso de jovens atletas ou do aprender a escrever antes dos sete anos (ver artigo a esse último ponto em meu “site”). O caso de especialização artística é um pouco diferente: como um exemplo, considero que um treinamento musical intenso deveria preferencialmente começar por volta da puberdade, e nunca antes da idade escolar. A especialização precoce forçada por jogos eletrônicos é um aspecto adicional da “animalização” provocada por eles.

4.3 O terceiro ponto está ligado ao fato de que o jogo sempre caracteriza um cenário de competição, sendo relacionado a (induz) um desejo de vencer. Não considero saudável uma educação por meio de competições. A objeção tradicional é que nosso mundo moderno é competitivo, sendo bom preparar a criança ou jovem para essa situação tão cedo quanto possível. A resposta é que existe um tempo certo para tudo na educação. Analogamente, se os carros são parte de nossa vida, por que não ensinar e deixar as crianças dirigir, digamos, aos sete anos de idade? Meus filhos foram educados o quanto possível sem competições, e quando chegaram à idade adulta adaptaram-se sem problemas às situações sociais adequadas nesse sentido, fazendo exames vestibulares e para aceitação em pós-graduação, concursos públicos, etc. Penso que uma das razões para o crescimento das misérias sociais no mundo é precisamente a educação para competição em vez de educação para consciência e sensibilidade sociais, para compaixão, para responsabilidade e ação social e tolerância, para dedicação pessoal em benefício do Universo. É fato que quando alguém vence e fica feliz outro alguém perde e fica infeliz – uma situação bem anticristã, de modo que fico sempre surpreso quando pessoas religiosas dessa linha promovem competições… Alguém já ouviu sobre algum jogador viciado deixar o adversário ganhar para fazê-lo feliz?

4.4 O quarto ponto baseia-se no fato de os seres humanos gravarem tudo o que lhes ocorre durante a vida (de fato, nossa memória é aparentemente infinita, o que é uma das fortes indicações de que não somos máquinas, ou seja, redutíveis a processos apenas físicos e químicos). Eventualmente não somos capazes de lembrar alguma vivência, mas apesar disso ela está gravada “em algum lugar” e pode ser eventualmente relembrada em estados especiais como a hipnose. Ou pode influenciar o comportamento, por exemplo em decisões impensadas (como por exemplo, escolher no supermercado, sem pensar, uma marca que ficou gravada no subconsciente devido a um comercial na TV). Portanto, independentemente do tempo que alguém dedique a um jogo eletrônico, essas experiências serão gravadas para sempre no subconsciente. Será a gravação da redução de sua personalidade a comportamentos maquinais e animais. Crianças gravam muito mais profundamente do que adultos: essa é a razão por que muitos psicanalistas procuram acontecimentos ocorridos durante a infância para explicar patologias psíquicas. Crianças são, pois, especialmente vulneráveis.

A TV faz o telespectador guardar profundamente os milhares de imagens que ele recebe mesmo em tempos bem curtos, pois ele está em estado de sonolência, portanto sem que sua consciência filtre as impressões que recebe (ver o artigo sobre TV e violência neste volume). Em uma situação de semi-consciência, como no caso do supermercado, ele pode agir segundo as imagens que gravou dentro de si. É por isso que os maiores gastos com propaganda são feitos na TV – eles funcionam! Mas a TV limita-se a esse arquivamento passivo de imagens e situações vistas no aparelho.

Já o jogo eletrônico tem um componente adicional muito pior: ele força ações nas situações que ele cria, também gravando tudo no subconsciente pois, como vimos, o pensamento do jogador está obliterado. Recomendo fortemente a leitura do capítulo “The Nintendo-military complex”, do último livro de John Naisbitt [Naisbitt 2000 pg. 65], que já esteve no Brasil há alguns anos dando palestras francamente entusiastas pelas máquinas, aliás a tônica de seu “best-seller” Megatrends. Pelo novo livro, ele parece ter caído na realidade a respeito delas. Naquele capítulo Naisbitt conscientiza-se do horror que as máquinas, no caso os jogos eletrônicos, podem causar sem que a maioria das pessoas o perceba. Ele cita dois casos aterradores. Muitas pessoas leram ou ouviram falar do caso da escola de ensino médio da cidade de Littleton, nos Estados Unidos, onde em 20/4/99 dois garotos entraram com armas, e durante 5 horas atiraram e jogaram bombas em muitos alunos e professores, matando 12 colegas de classe e um professor, ferindo outros 23, e depois se suicidando. Eles estavam imitando principalmente o joguinho “Doom” (que, segundo Naisbitt, vendeu 2,7 milhões de cópias), pois um deles escreveu antes do massacre: “‘Doom’ vai tornar-se realidade!” Eles jogavam esse jogo por horas diariamente, incluindo uma versão personalizada que um dos garotos tinha modificado para simular os corredores de seu colégio. Mesmo o tipo de armas que eles empregaram eram parecidas com as desse jogo [pg. 66]. Foram influenciados também pelo filme Basketball Diaries, em que Leonardo DiCaprio entra numa escola só para garotos e mata calmamente seus colegas de classe. Mas poucas pessoas conhecem o caso relatado por Naisbitt, que se passou em 1998 na cidade de Paducah, no estado americano de Kentucky [pg. 80 ]. Um garoto de 14 anos entrou numa classe de uma escola, armado com um fuzil com visor. Ele deu 8 tiros, apenas um tiro por pessoa, mirando ou na cabeça ou no tórax, acertando todos os 8 (cinco na cabeça, 3 na parte superior do tórax), no meio de uma confusão de gritos e correria. O garoto firmou seus pés e não se moveu enquanto atirava, nunca atirando muito para a esquerda ou para a direita. Normalmente, um policial treinado acerta um em cada 5 tiros. Além disso, mesmo pessoas treinadas atiram várias vezes em cada pessoa até ela cair. O mais impressionante é que o garoto de Paducah jamais havia pego numa arma antes! Seu comportamento deveu-se simplesmente ao fato de ele ter jogado muito jogos eletrônicos violentos com tiros, como “Doom” e “Quake”. Além disso, havia assistido o filme Basketball Diaries, o que levou os pais das vítimas a processarem tanto os fabricantes dos jogos quanto a produtora do filme. Como menciona Naisbitt [pg. 108], uma solução tipicamente americana para um problema americano, pois quem sabe se o fabricante e o produtor perderem, as indústrias passarão a tomar mais cuidados com seus produtos…

Vemos aí o terrível dos jogos eletrônicos: eles não só condicionam ações, como o faz a TV, mas treinam o jogador a executá-las sem refletir nas conseqüências de seu ato (vejam-se a “animalização” e a “maquinização” do jogador, como exposto no item 3).

É agradável ver pessoas conhecidas chegarem às mesmas conclusões do que eu. Infelizmente algumas, como John Naisbitt, estão atrasadas pelo menos 10 anos em relação a mim. Esse atraso significa que durante esse tempo não tomaram as atitudes em relação às máquinas que venho há tempos recomendando, e com isso prejudicaram enormemente muitas crianças.

Se o leitor preferir uma pesquisa científica mostrando que os jogos eletrônicos levam a ações violentas, tanto a curto como a longo prazo, levando à delinqüência, pode encontrá-la no artigo de Craig Anderson e Karen Dill [Anderson 2000]. Sua pesquisa envolveu, em dois estudos, mais de 400 estudantes universitários. Eles mostram, além disso, que os joguinhos prejudicam o rendimento escolar. Os autores, no capítulo de sumário e conclusões, chegam à mesma conclusão que eu: “A natureza do ambiente de aprendizado do jogo eletrônico sugere que esse meio é potencialmente mais perigoso que o da TV e do cinema, que foram muito mais fortemente investigados.” Eles ainda relatam que “esses jogos estão se tornando muito mais violentos, mais gráficos e mais predominantes.” Creio que a razão é que, à medida em que os jovens vão se acostumando com o grau de violência dos jogos atuais, precisam de outros mais violentos ainda para realmente serem excitados (meu “sentimento de desafio”).

4.5 O quinto ponto reside no fato de que em geral jogos eletrônicos do tipo estímulo-resposta apresentam cenas de violência, às vezes de uma crueldade extrema. Por exemplo, o jogo “Mortal Kombat”, que foi lançado em setembro de 1993 (aliás, por meio de uma propagando hollywodiana de 10 milhões de dólares, que traria vendas de 150 milhões até o Natal daquele ano), mostra um dos heróis do jogo decapitando uma vítima, um outro prefere eletrocussão, um terceiro arranca, com suas próprias mãos, o coração ainda batendo de sua vítima, e um quarto corta fora a cabeça de sua vítima e a exibe vitoriosamente. Um outro jogo, “Night Trap” (“Armadilha Noturna”, da Sega) exibe vampiros sedentos de sangue que atacam cinco mulheres parcamente vestidas, fazem furos em suas gargantas e as penduram em ganchos de açougue. A tecnologia de vídeo tornou esse tipo de violência muito mais realista [Elmer-Dewitt 1993 pg. 58 *].

Em 14/10/99, o então vereador Betinho Duarte, de Belo Horizonte, presidente da TV BEM – Instituto de Defesa do Telespectador, Tel. (31) 465-1188/-1189 enviou, juntamente com a Deputada Maria Elvira, Presidenta da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara Federal, ao Procurador da República em Minas Gerais, um extenso relatório, com uma “relação de títulos de videogames violentos que estão disponíveis em nosso mercado”, solicitando que se tomem “as medidas cabíveis com relação aos videogames violentos, principalmente aos:

1) Doom … [que] é o jogo em três dimensões mais famoso. Ele dá ao jogador a sensação de estar no meio da ação. Os inimigos são monstros, demônios e mortos-vivos numa base espacial. O arsenal é variado, mas o jogador tem a opção de usar só a serra elétrica, que produz mais sangue. [Veja-se o item 4.4.]

2) Postal – um “serial killer” [matador em série] disfarçado de carteiro é o personagem central de Postal. A graça é matar o maior número de cidadãos em diferentes ambientes de uma cidade – supermercados, ruas e lojas. Para dar mais ação à trama, foi criado o Santa Patch [remendo Papai Noel], um programa que transforma o serial killer em Papai Noel.

3) Mortal Kombat – é um game de luta, disputada com braços, pernas e poderes mágicos. O combate só termina com a morte, sempre violenta, de um dos dois personagens. A pancadaria inclui golpes particularmente cruéis, geralmente aplicados quando o adversário já foi subjugado. Haja sangue.

4) Requiem – chega de alienígenas aterrorizando os cidadãos. Desta vez, VOCÊ é o terror da humanidade. … basta levantar a mão na direção da multidão que alguém começará a gritar como louco… Você pode criar criaturas mundanas dentro de seus inimigos, ferver seus litros de sangue ao ponto de explodi-los ou até mesmo transformar seus corpos em sal! Este último é um dos efeitos mais interessantes já visto em um game de tiro em primeira pessoa. [E seguem descrevendo os sons do jogo, ‘variando de temas sacros e corais, daqueles executados em catedrais, a batidas mais sombrias e frenéticas…’ Parece-me que isso tudo é citação da propaganda em PC Generation, citada pelos autores, seja lá o que isso for.]

5) Blood – o objetivo do jogo é matar o maior número de pessoas usando, inclusive, dinamite.

“Betinho ainda cita que conseguiu comprar dois jogos proibidos, anexando o recibo da compra: Carmageddon I e II. Nesses jogos, o jogador dirige um carro desenhado na tela, e o objetivo é atropelar o maior número de pessoas possível, em especial idosos e crianças. Pegar um transeunte na calçada dá mais pontos ao “motorista”. Se não me engano ele mesmo conseguiu que eles fossem banidos de nosso mercado pelo Ministério da Justiça. Ele ainda dá uma lista com quase 150 títulos de jogos violentos [Duarte 1999].

Como é possível entender a preferência dos jogos por cenas violentas? Basta lembrar que pensamentos conscientes não estão ativos, contrariamente a sentimentos. Ora, cenas de violência afetam precisamente nossos sentimentos mantendo o típico estado de excitação do jogador. Os projetistas mercenários desses jogos sabem muito bem como arrebatar os ingênuos e inocentes… Como vimos no ponto precedente, todas essas cenas permanecem gravadas no íntimo do jogador, de modo que se pode bem imaginar suas conseqüências ao longo do tempo, principalmente no caso de crianças que são mais abertas e receptivas a impulsos oriundos do ambiente. Se não fosse assim, as crianças não teriam sua fantástica capacidade de aprender por imitação.

A propósito, escrevi o parágrafo anterior em 1991, muito antes de Littleton e Paducah, mas não pense o leitor que sou profeta. Simplesmente não preciso de pesquisas para prever o que acontece quando um trator passa sobre uma plantação de morangos. Basta ter uma conceituação correta do que são essa plantação e um trator. No caso das influências da TV, dos jogos eletrônicos e do computador, basta ter, como eu, uma conceituação do que vêm a ser esses aparelhos e o que se passa durante o desenvolvimento da criança e do jovem.

4.6 O sexto ponto baseia-se no fato de as crianças serem incapazes de compreender os maus efeitos que os jogos podem produzir nelas, sendo que os jogos são irresistivelmente atraentes. Todos sabem que as crianças poderiam ficar jogando com eles por horas a fio, em dias consecutivos. Naisbitt cita que crianças americanas jogam joguinhos eletrônicos durante em média 1,5 hora por dia [Naisbitt 2000 pg. 90]. De nada ajuda mostrar-lhes que isso não é saudável, pois elas são incapazes de seguir e entender conceitos como os apresentados aqui. Ademais, mesmo que isso fosse possível, elas não teriam possibilidade de controlar a si próprias.

4.7 O sétimo ponto refere-se ao fato de que crianças pequenas aprendem brincando, jogando e imaginando [Lanz 1998 pg. 44, Cordes 2000, cap. 3],. Mas os brinquedos e jogos deveriam ser apropriados à idade e maturidade, bem como incentivar a fantasia, a criatividade e o convívio social. O problema é que os jogos eletrônicos não têm nenhuma dessas características, pelo contrário, prejudicam-nas por meio de atitudes precisamente opostas. Tal como a TV, os jogos eletrônicos não deixam espaço para imaginação, porque suas imagens surgem prontas e são muito rápidas. A criança não pode assumir uma atitude contemplativa. Crianças normais estão sempre num estado de constante atividade, seja em sua interação com o ambiente ou em imaginações interiores. O fato de crianças serem forçadas a assumir um estado de passividade quase total (ou total de fato, no caso da TV) as torna hiperativas depois de desligar a máquina, incapazes de concentrar-se em qualquer coisa. Isso pode também levar a distúrbios do sono devido às cenas violentas e um dia cheio de inatividade, tanto imaginativa quanto física.

4.8 Finalmente, o oitavo ponto trata dos brinquedos ideais para crianças. Além de dar incentivo a amplas atividades físicas (a criança é um verdadeiro ser “fazedor”; se ela é normal está sempre fazendo algo ou inventando algo para fazer) ou à imaginação (por exemplo, uma boneca de pano, caso em que há tudo para ser imaginado, comparada a uma boneca de plástico com rosto e membros em perfeita imitação de um ser humano), os brinquedos deveriam ser simples, de modo que a criança pudesse entendê-los. Não me refiro aqui ao entendimento abstrato, intelectual. Quando uma criança joga bola com suas mãos, ela não precisa entender o movimento provocado pelo impulso, pela atração gravitacional e a resistência do ar. Ela entra intuitivamente em contato com esses fatos da natureza, “entendendo-os” não-intelectualmente e usando-os para pegar a bola. Ora, o funcionamento do jogo eletrônico será sempre um mistério incompreensível, algo com o qual a criança jamais será capaz de identificar-se. E caso isso ocorresse, estaria havendo uma identificação com uma máquina, algo que gostaria de denotar como sendo “subnatural”, inferior à natureza inorgânica.

Nunca consegui entender a mentalidade de pais que dão a seus filhos brinquedos automáticos, tipo trem elétrico, robô, etc. Nesses casos, o brinquedo brinca sozinho! Em alguns tipos, como brinquedos com controle remoto, a atividade da criança é reduzida a apertar alguns botões ou mexer numa alavanca, não deixando nada para ser imaginado e não requerendo nenhuma ação física relevante. Temos aí a antítese do que um brinquedo deveria ser.

Portanto, deve-se concluir que os jogos eletrônicos prejudicam seus usuários, não devendo ser utilizados mesmo por curtos períodos de tempo, sendo que os efeitos nocivos são muito piores em crianças e jovens. Aos que objetariam dizendo terem o direito a um pouco de lazer, eu responderia o seguinte: que tipo de lazer é esse que reduz o ser humano ao comportamento de um animal ou mesmo ao de uma máquina? Lazer deveria ser usado para tirar-nos do (eventualmente infeliz) dia-a-dia. Deveria permitir-nos exercer atividades que nos elevassem, ao invés de diminuir-nos. Por exemplo, uma atividade profissional pode forçar alguém a pensar sobre coisas desagradáveis ou mesmo imorais. Esse poderia ser, por exemplo, o caso de um publicitário, que é obrigado a inventar modos de induzir consumidores a comprar bens que eles não necessitam, ou produtos inferiores ou mais caros do que similares (por exemplo, qualquer propaganda que contenha a expressão “este é o melhor produto” incide nessa categoria). Outro exemplo poderia ser um programador de computador forçado a pensar durante o dia inteiro usando uma linguagem simbólica formal, num espaço matemático muito restrito que é o dos algoritmos. Para tais pessoas, há necessidade de um tempo de lazer que pudesse “limpar”, mas não eliminar seu pensar e seus sentimentos, uma verdadeira “higiene” mental e sentimental, tão necessária em nossos tempos agressivos. Isso é precisamente o contrário do que um jogo eletrônico faz. Um outro aspecto relativo a adultos é que ao usar tais jogos eles estão se reduzindo a estados infantis: pensamento e consciência abafados, dominância de sentimentos, ausência de autocontrole, repressão da própria individualidade. Em vez de exercitar uma atividade que os conduza ao futuro, eles estão regredindo a um estado que já deveriam ter deixado para trás.

5. Conseqüências do uso dos jogos

Quais são as conseqüências do uso desses jogos? Posso conjecturar muitas. Uma delas poderia ser uma rigidez mental, conduzindo, por exemplo, a idéias fixas devido ao ambiente extremamente rígido e limitado apresentado pela máquina. Uma outra poderia ser uma dificuldade em relações sociais, porque as pessoas não reagem de maneira previsível como esses aparatos. Perde-se a capacidade de improvisar situações, que são sempre mal definidas (por exemplo, obviamente não há uma receita exata para fazer dois amigos reconciliar-se). Além disso, como já destaquei, a situação de competição e o desejo de vencer são anti-sociais. Vimos também o caso de indução a praticar ações violentas. Naisbitt traz um item somente sobre a dessensibilização face à violência [Naisbitt 2000 pg. 90]. Uma outra conseqüência ainda poderia ser a criação de uma mentalidade tendente a obsessões, porque essa atitude está diretamente ligada ao constante uso dos jogos, tentando-se fazer cada vez mais pontos. Mas a pior de todas as influências poderia ser a eventual indução de uma mentalidade materialista de admiração por máquinas e a crença de que elas trarão bem-estar e felicidade. Todas essas influências, obviamente, aumentam grandemente quando os jogadores são crianças, pois elas não têm capacidade para criticar e compreender os processos envolvidos, além de não terem o autocontrole que se espera encontrar em adultos conscientes e responsáveis.

Abordei aqui alguns aspectos negativos. Certamente serei chamado de “radical” se não apontar alguns positivos. Infelizmente não fui capaz de encontrar algum deles, sendo que nenhum me foi mostrado durante palestras e discussões sobre o assunto. Portanto, por favor não me considerem “um tanto radical”. Meus conceitos e observações levaram-me a ser totalmente contra jogos eletrônicos – pelo menos até que eu encontre algo de bom a seu respeito. Um argumento falacioso é o de que eles desenvolvem coordenação motora: a coordenação requerida é tão limitada e especializada, que deve prejudicar uma coordenação mais global. Porém não estou sozinho: radical é a atual situação de imensa propagação desses jogos, talvez presentes em quase todos os lares que tenham os meios econômicos para comprá-los. Algum tempo antes de escrever o original deste artigo, eu folheava um encarte do jornal “O Estado de São Paulo” de 2/2/92: seu suplemento semanal para crianças mostrava nas páginas 9 e 10 uma seção de objetos para venda ou troca entre leitores com um total de 80 itens, 61 dos quais (ou seja, 75%) anunciando jogos eletrônicos. O restante tratava de bicicletas, coleções de livros, etc. Será que o exagero e o radicalismo estão em meus argumentos ou no estágio a que este mundo socialmente miserável chegou?

6. O que fazer?

É interessante observar que as autoridades governamentais algumas vezes conscientizaram-se de que os jogos eletrônicos são prejudiciais a crianças. Nos Estados Unidos, várias cidades restringiram ou proibiram os “fliperamas” [Silvern, 1984 *]. Na cidade de São Paulo, há restrições sobre a distância mínima de escolas que essas casas de exploração mercenária de jovens devem manter. Em vários países obrigam-se os fabricantes a classificar os seus jogos conforme a faixa de idades, como orientação aos pais e aos vendedores. Mas, como no caso da TV brasileira, a tendência é deixar aos próprios fabricantes a responsabilidade pela classificação. Assim como na TV, isso simplesmente não funciona, pois o maior interesse desses ramos de negócio não é educar, e sim vender. O que vender mais, será produzido. Por exemplo, o já citados Mortal Kombat e Night Trap receberam classificação de adequação a no mínimo 8 e 15 anos de idade, respectivamente, conforme o editor da revista da Nintendo ao chamar a atenção de que a indústria não deveria preocupar-se com as restrições, pois as mais significativas ficariam por conta dos próprios fabricantes [Nintendo pg. 3 *].Como no caso dos programas de TV, é ridículo pensar que os fabricantes vão se conter e melhorar o nível dos jogos. Naisbitt cita o resultado de um estudo publicado em 1998, que abrangeu 3 anos de pesquisa: 60% de todos os programas de TV americanos contêm violência [Naisbitt 2000 pg. 86] (ver o artigo sobre TV e violência neste volume). Cita, ainda, que os fabricantes de jogos eletrônicos faturam 16 bilhões de dólares por ano só nos Estados Unidos, 7 bilhões a mais do que o faturamento de bilheteria dos cinemas, e 30% a mais do que o mercado de brinquedos [idem pg. 67]. Alguém em sã consciência acha que esses fabricantes, legítimos representantes da selva capitalista infestada de mercenários em que vivemos, vão perder um mercado desses?

No Brasil, o citado vereador Betinho de Belo Horizonte tem feito uma grande campanha para proibir certos jogos. Em princípio, sou contra proibições a pessoas adultas e responsáveis. Penso que, idealmente, qualquer iniciativa deveria advir da consciência individual. Nesse sentido, espero que minhas considerações sejam utilizadas como uma base para observações pessoais e estudo, dando incentivo a que todos alcancem suas próprias conclusões conscientes. Se estas forem as mesmas que as minhas, penso que existe apenas uma saída para os problemas causados por esses jogos: se a pessoa ou lar ainda não possuir jogos eletrônicos, que eles não sejam instalados. Se os jogos já estão presentes, que sejam atirados no lixo (dá-los a outras pessoas iria prejudicá-las). A pais, eu gostaria de lembrar que esses jogos foram introduzidos bem recentemente, e que nenhum adulto de nossos dias brincou com eles quando criança. Se esses adultos sobreviveram sem jogos eletrônicos, por que não as crianças de nossa época? Se um adulto quiser prejudicar a si mesmo, que direito temos de proibi-lo? (Lembremo-nos de que ninguém é sentenciado por cometer suicídio.) Mas forçar – isso mesmo, como vimos, esses jogos são irresistíveis – prejuízos mentais e psicológicos em seres indefesos como são as crianças e os jovens é, realmente, um ato criminoso. Os pais não devem ter receio de impor limites às suas crianças: elas esperam ser guiadas pelos pais, e a falta de uma mão firme na hora certa pode causar muitos prejuízos. Mas, em lugar de lutar para os filhos não jogarem os joguinhos em casa, o mais fácil é não tê-los e proibir que sejam trazidos para casa. Já com adolescentes, é necessário explicar os efeitos negativos dos jogos, pois qualquer limite imposto deve nessa idade começar a ser explicado e ter uma boa justificativa. Não preciso acrescentar que os pais devem ser coerentes, isto é, não podem proibir aos filhos algo que eles mesmo fazem, a não ser que a inadequação para crianças seja fisicamente óbvia, como tomar bebidas alcoólicas.

Ouvindo alguns destes argumentos, um amigo contou-me que sua filha havia brincado com um jogo eletrônico durante muitas horas por dia ao longo de sete meses, tendo continuado a ser uma adolescente “normal”. (Ignoremos aqui a diferença entre “saudável” e “normal” no sentido de “usual”; só como exemplo, é normal ter cáries, mas certamente não é saudável…) De acordo com meus conceitos, um grande prejuízo foi causado à garota. Talvez esse prejuízo não se manifeste imediata e claramente, pois a principal influência desses jogos não é física e, como vimos, fica gravada para sempre.

Um argumento comum contra minha proposta de não se ter esses joguinhos em casa poderia ser este: “Mas como é que meus filhos vão brincar e ter lazer?” Isso mostra a que medida de degeneração nossa “civilização” chegou. Se os pais não deram a seus filhos uma educação que os leve a brincadeiras e lazer saudáveis, como por exemplo leitura, esporte sadio, atividades sociais e artísticas, é sempre tempo para uma mudança de atitude e para começar a assumir a responsabilidade, o amor e o sacrifício que a condição paterna deveria representar. É típico de nossa época as pessoas gostarem de clamar por seus direitos mas esquecer seus deveres. Renunciar à educação, deixá-la nas mãos das “babás eletrônicas” de épocas relativamente antigas (TV) ou das mais novas (jogos eletrônicos e computadores) significa atestar que não se merece o título de pai ou mãe. Hoje em dia há uma crescente necessidade de transformar o lar num ninho protetor, contra as forças verdadeiramente demoníacas que estão tentando tão furtivamente destruir o ser humano como tal. Para isso é necessário evitar algumas idéias típicas impostas por essas forças, como por exemplo a de que a educação deveria ser “libertária”, sem repressões. Não possuir esses jogos em casa – ou, muito mais complicado, não deixar crianças e jovens usá-los – não é ser repressivo. Significa protegê-los contra um ataque que, em muitos sentidos, é muito pior do que os físicos, que preocupam tantas pessoas hoje em dia justamente por serem visíveis. Não parece óbvio que, tal qual no caso de ataques físicos a seres humanos (por exemplo, a poluição), também os psíquicos e psicológicos devem estar aumentando? Nossas possibilidades de sermos seres livres estão crescendo, e paralelamente há um aumento de ataques a essa liberdade, principalmente dos sub-reptícios. Por causa disso, os tempos modernos requerem mais e mais atitudes críticas, auto-vigilância, conhecimento e consciência. Seres humanos reduzidos a reações animais ou maquinais perderam sua liberdade e não se comportam como humanos num sentido amplo, holístico.

Espero que essas palavras possam provocar o início de uma conscientização que conduza a observações, estudos, reflexões e ações. Em termos sociais e individuais, o mundo está ficando cada vez pior. Para mudar essa tendência parece-me que temos de agir cada vez mais em liberdade e com amor, verdadeiro amor humano livre e altruísta, impossível de ser exercido por animais e, absurdamente, por máquinas.

Referências

Anderson, C.A. e K.E. Dill. Video Games and Aggressive Thoughts, Feelings and Behavior in the Laboratory and in Life.Journal of Personality and Social Psychology, Vol. 78, No. 4, April 2000, pgs. 772-790. Disponível em www.apa.org/journals/psp/psp784772.html.

Cordes, C e E. Miller (Eds.). Fool’s Gold: A Critical Look at Computers in Childhood. Alliance for Childhood, 2000. Disponível em www.allianceforchildhood.org (as pgs. citadas neste volume são da versão em Adobe Acrobat).

Duarte, Betinho. Carta e anexo de 14/10/1999 ao Procurador da República em Minas Gerais, cópia recebida por e-mail de betinho@ongnet.psi.br em 25/10/99.

Elmer-Dewitt, P. The amazing video game boom. Time, 27/9/1993, pgs. 54-59.

Lanz, R. A Pedagogia Waldorf: Caminho para um Ensino mais Humano, 6a ed. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1998.

Naisbitt, J. High Tech, High Touch: Technology and Our Search for Meaning. London: Nicholas Breadley, 2000.

Nintendo Magazine System. Censorship: victory is ours!, Vol. 8, No. 3, Nov. 1993.

Patzlaff, R. Der Gefrorene Blick: Die Physiologische Wirkung des Fernsehens und die Entwicklung des Kindes. Stuttgart: Freies Geistesleben, 2000.

Silvern, S.B. e P.A. Williamson. The effects of Video Game Play on Young Children’s Aggression, Fantasy, and Prosocial Behavior, Journal of Developmental Psychology, No. 8, 1987, pgs. 453-462.

Steiner, R. A Filosofia da Liberdade: Fundamentos para uma Filosofia Moderna – Resultados com Base na Observação Pensante, Segundo o Método das Ciências Naturais, GA 4. São Paulo: Ed. Antroposófica, 2000.

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Sobre bbraga

Atuo como professor de química, em colégios e cursinhos pré-vestibulares. Ministro aulas de Processos Químicos Industrial, Química Ambiental, Corrosão, Química Geral, Matemática e Física. Escolaridade; Pós Graduação, FUNESP. Licenciatura Plena em Química, UMC. Técnico em Química, Liceu Brás Cubas. Cursos Extracurriculares; Curso Rotativo de química, SENAI. Operador de Processo Químico, SENAI. Curso de Proteção Radiológica, SENAI. Busco ministrar aulas dinâmicas e interativas com a utilização de Experimentos, Tecnologias de informação e Comunicação estreitando cada vez mais a relação do aluno com o cotidiano.

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