“Impossível é apenas uma palavra usada pelos fracos que acham mais fácil viver no mundo que lhes foi determinado do que explorar o poder que possuem para muda-lo. O impossível não é um fato consumado. É uma opinião. Impossível não é uma afirmação. É um desafio. O impossível é algo potencial. O impossível é alto temporário. Nada é impossível” (Muhammad Ali,).
“Por que negros foram excluídos do ensino nos períodos imperial e republicano?
Quando você aprende o que e liberdade isso, não se esquece. Você não volta a ser escravo jamais
Para quem nutre a imagem algo romântica dos negros forros, de pé no chão e sem rumo, Nizan Pereira Almeida oferece em sua pesquisa alguns fatos até então condenados aos rodapés dos livros de História
Por José Carlos Fernandes
Por que os negros não foram incluídos no sistema de ensino brasileiro por ocasião do 13 de maio de 1888?
O assunto é sua obsessão por boas décadas talvez desde o dia em que se percebeu o único negro nas escolas onde andou. Nutriu-a no exercício de sua vida pública, à frente das secretarias da Saúde ou na pasta de Assuntos Estratégicos no último governo Requião. Juntou material o bastante. Nos últimos anos, decidiu, como se diz, “sistematizar” tanta conversa numa tese de doutorado, defendida em fevereiro de 2014 no programa de Educação da Universidade Católica do Paraná.
O título é longo, como de praxe aos espartilhos acadêmicos: A construção da invisibilidade e da exclusão da população negra nas práticas e políticas educacionais no Brasil. Tem orientação do sociólogo Lindomar Wessler Bonetti. E promete trazer sabor a uma discussão fadada a voos rasantes. Para levá-la mais a fundo, Nizan fez uso de um conceito de efeito inigualável “a naturalização”. Não tem mistério. Pode ser entendido por uma criança de 12 anos: a população negra ficou à margem porque o país achou que ficar de fora, para esse grupo, era o normal. Eis o ponto.
Num trabalho estafante mas traduzido de forma palatável o “cestinha” Nizan Pereira tira proveito do método dos chamados “livros de interesse geral”. Leva o leitor nas águas mornas falando-lhe de gregos, romanos e seus escravos “coisificados”, verdadeiras mercadorias. Depois, oferece águas escaldantes. Se para defender a tese o pesquisador tinha uma pergunta, ao terminá-la deixa dezenas de outras. Impossível não se questionar, por exemplo, por que, por tanto tempo, os professores não se incomodaram com a ausência de alunos negros nas fileiras. Teria faltado mérito a tanta gente?
Um dos feitos mais notáveis da pesquisa de Pereira está em não se render ao “vitimismo”. Ao responder por que a exclusão dos negros passou a ser vista como algo natural, recorre ao estigma racial, como não poderia deixar de fazer, mas também ao cipoal da economia brasileira da virada do século 20. A colocação dos negros à margem se tornou uma estratégia de escala industrial. Era preciso não reconhecê-los, o que incluía não lhes garantir a escola, e o pior, com o respaldo da lei, na contramão da universalidade do ensino público, então em curso na Europa.
Para quem nutre a imagem algo romântica dos negros forros, de pé no chão e sem rumo a exemplo do que fazem acreditar os retratos de Marc Ferrez Nizan oferece alguns fatos até então condenados aos rodapés dos livros de História. Lembra as revoltas negras do século 18 dos Búzios, dos Alfaiates, das Argolinhas , e que os negros desempenhavam ofícios das mais diversas naturezas, logo, participavam da sociedade, uma sociedade que lhes negou o passaporte à vida organizada.
Revolta dos Búzios
A Conjuração Baiana, também denominada como Revolta dos Búzios ou Revolta dos Alfaiates(uma vez que seus líderes exerciam este ofício), foi um movimento de caráter emancipacionista, ocorrido no ocaso do século XVIII, na então Capitania da Bahia, no Estado do Brasil. Diferentemente da Inconfidência Mineira (1789), se reveste de caráter popular.
Antecedentes
Sendo a então Capitania da Bahia governada por D. Fernando José de Portugal e Castro (1788-1801), a capital, Salvador, fervilhava com queixas contra o governo, cuja política elevava os preços das mercadorias mais essenciais, causando a falta de alimentos, chegando o povo a arrombar os açougues, antes da ausência de carne.
O clima de insubordinação contaminou os quartéis, e as ideias nativistas que já haviam animado Minas Gerais, foram amplamente divulgadas, encontrando eco sobretudo nas classes mais humildes.
A todos influenciava o exemplo da independência das Treze Colônias Inglesas, e idéias iluministas, republicanas e emancipacionistas eram difundidas também por uma parte da elite culta, reunida em associações como a Loja Maçônica Cavaleiros da Luz.
Idéias
Seu principal lider foi Cipriano Barata, conhecido como médico dos pobres e revolucionário de todas a revoluções. Há grande influência da sociedade maçônica(cavaleiros da luz) e do processo de independência do Haiti ou, haitianismo.
Os revoltosos pregavam a libertação dos escravos, a instauração de um governo igualitário (onde as pessoas fossem vistas de acordo com a capacidade e merecimento individuais), além da instalação de uma República na Bahia e da liberdade de comércio e o aumento dos salários dos soldados. Tais ideias eram divulgadas sobretudo pelos escritos do soldado Luiz Gonzaga das Virgens e panfletos de Cipriano Barata, médico e filósofo.
A Revolta
Em 12 de Agosto de 1798, o movimento precipitou-se quando alguns de seus membros, distribuindo os panfletos na porta das igrejas e colando-os nas esquinas da cidade, alertaram as autoridades que, de pronto, reagiram, detendo-os. Tal como na Conjuração Mineira, interrogados, acabaram delatando os demais envolvidos.
Um desses panfletos declarava:
“Animai-vos Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos: o tempo em que todos seremos iguais.”
(in: RUY, Afonso. A primeira revolução social do Brasil. p. 68.)
A Repressão
Durante a fase de repressão, centenas de pessoas foram denunciadas – militares, clérigos, funcionários públicos e pessoas de todas as classes sociais. Destas, quarenta e nove foram detidas, a maioria tendo procurado abjurar a sua participação, buscando demonstrar inocência.
Finalmente, no dia 8 de Novembro de 1799, procedeu-se à execução dos condenados à pena capital, por enforcamento, na seguinte ordem: soldado Lucas Dantas do Amorim Torres; aprendiz de alfaiate Manuel Faustino dos Santos Lira; soldado Luís Gonzaga das Virgens; e mestre alfaiate João de Deus Nascimento.
O quinto condenado à pena capital, o ourives Luís Pires, fugitivo, jamais foi localizado. Pela sentença, todos tiveram os seus nomes e memórias “malditos” até à 3a. geração. Os despojos dos executados foram expostos da seguinte forma: a cabeça de Lucas Dantas ficou espetada no Campo do Dique do Desterro; a de Manuel Faustino, no Cruzeiro de São Francisco; a de João de Deus, na Rua Direita do Palácio (atual Rua Chile); e a cabeça e as mãos de Luís Gonzaga ficaram pregadas na forca, levantada na Praça da Piedade, então a principal da cidade.
Esses despojos ficaram à vista, para exemplo da população, por cinco dias, tendo sido recolhidos no dia 13 pela Santa Casa de Misericórdia (instituição responsável pelos cemitérios à época do Brasil Colônia), que os fez sepultar em local desconhecido.
Os demais envolvidos foram condenados à pena de degredo, agravada com a determinação de ser sofrido na costa Ocidental da África, fora dos domínios de Portugal, o que equivalia à morte. Foram eles:
José de Freitas Sacota e Romão Pinheiro, deixados em Acará, sob domínio holandês; Manuel de Santana em Aquito, então domínio dinamarquês; Inácio da Silva Pimentel, no Castelo da Mina, sob domínio holandês; Luís de França Pires em Cabo Corso; José Félix da Costa em Fortaleza do Moura; José do Sacramento em Comenda, sob domínio inglês.
Cada um recebeu publicamente 500 chibatadas no Pelourinho, à época no Terreiro de Jesus, e foram depois conduzidos para assistir a execução dos sentenciados à pena capital. A estes degredados acrescentavam-se os nomes de: Pedro Leão de Aguilar Pantoja degredado no Presídio de Benguela por 10 anos; o escravo Cosme Damião Pereira Bastos, degredado por cinco anos em Angola; os escravos Inácio Pires e Manuel José de Vera Cruz, condenados a 500 chibatadas, ficando seus senhores obrigados a vendê-los para fora da Capitania da Bahia; José Raimundo Barata de Almeida, degredado para a ilha de Fernando de Noronha; os tenentes Hermógenes Francisco de Aguilar Pantoja e José Gomes de Oliveira Borges, permaneceram detidos por seis meses em Salvador;
Cipriano Barata, detido a 19 de Setembro de 1798, solto em Janeiro de 1800.
Conclusão
O movimento envolveu indivíduos de setores urbanos e marginalizados na produção da riqueza colonial, que se revoltaram contra o sistema que lhes impedia perspectivas de ascensão social. O seu descontentamento voltava-se contra a elevada carga de impostos cobrada pela Coroa portuguesa e contra o sistema escravista colonial, o que tornava as suas reivindicações particularmente perturbadoras para as elites. A revolta resultou em um dos projetos mais radicais do período colonial, propondo idealmente uma nova sociedade igualitária e democrática. Foi barbaramente punida pela Coroa de Portugal. Este movimento, entretanto, deixou profundas marcas na sociedade soteropolitana, a ponto tal que o movimento emancipacionista eclodiu novamente, em 1821, culminando na guerra pela Independência da Bahia, concretizada em 2 de julho de 1823, formando parte da nação que emancipara-se a 7 de setembro do ano anterior, sob império de D. Pedro I.
Bibliografia
TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia (10a. ed.). São Paulo: Editora UNESP; Salvador (BA): EDUFBA, 2001. 544p. il. mapas. ISBN 8571393702
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Obtido em “http://pt.wikipedia.org/wiki/Conjura%C3%A7%C3%A3o_baiana”
Categorias: Conjuração baiana | Escravidão no Brasil
A dedução é instantânea os escravos e ex-escravos não foram privados apenas da escola, mas também do mundo do trabalho, privilégio que passa a ser reservado aos imigrantes. Os negros eram muitos para serem pagos, como mandava a nova ordem do capitalismo mundial. A solução foi estender a eles o olhar reservado aos índios, pouco elogiosos, usando do etnocentrismo e da ciência para justificar a exclusão.
De tão repetidas, essas máximas viraram verdade na cabeça de muitos brasileiros e na estrutura do país. “Quando o próprio negro começa a repetir o que se diz sobre ele, ah, é quando se chega à perfeição”, pontua o pesquisador, sobre a vitória do sistema de exclusão: virou algo natural até para quem devia combatê-la. Doutor Nizan explica.
Lista negra
População negra teve inserção demorada e difícil no sistema nacional de ensino
1. Leis A Constituição de 1824 ditava que a escola era um direito de todos os cidadãos, o que não incluía os escravos. A cidadania se estendia aos portugueses, filhos de portugueses e libertos. Os direitos dos “livres”, contudo, estavam condicionados a ter rendimentos, posses e “a soma de oitocentos mil réis.” Na ocasião da constituinte, José Bonifácio de Andrade e Silva já apontava a escravidão como sistema arcaico, antecipando a orfandade que em breve o estado lhes reservaria, preferindo reconhecer direitos aos imigrantes.
2. Escolas Entre a Constituição de 1824 e a de 1891 perdurou um sistema escolar que reservava aulas domiciliares aos ricos; escolas públicas aos pobres e livres nascidos no Brasil, ou cursos em seminários católicos, para poucos. Nascidos na África não tinham direito a frequentar esses espaços. No Rio de Janeiro, por exemplo, proibia-se ir à escola os que tivessem doença contagiosa e os negros, “ainda que libertos”.
3. Ofícios Na Primeira República, a preocupação passa a ser transformar os “ingênuos” como eram chamados os beneficiados pela Lei do Ventre Livre em “trabalhadores úteis”, evitando que replicassem a indolência dos adultos pobres. A educação utilitária e a aprendizagem de ofícios se torna destino “natural” dos negros e desvalidos, formando uma mentalidade sobre esse grupo.
4. Voto Analfabetos na maioria, aos negros também era subtraído o direito de votar. Era um paradoxo: até 1888 eles tinham sido privados do direito de estudar. Definidos como “cegos intelectuais”, sofrem novo baque ao não poderem se organizar por meio do voto, o que retarda mais uma vez a inserção no sistema educacional.
Entrevista
O médico patologista Nizan Pereira, 65 anos, professor da Universidade Federal do Paraná e ex-secretário de estado, doutor em Educação pela PUCPR, discorre sobre a naturalidade com que a exclusão racial passou a ser encarada no Brasil, desde os tempos do Império. Também fala de cultura e futebol, reflexo do “estado das coisas”. Confira trechos da entrevista dada à Gazeta do Povo.
Nizan por ele mesmo
“Nunca tive dificuldade por ser negro. Não me sentia diferente. Sempre fui respeitado. Vim da classe média. Meu pai era ferroviário. E eu tinha essa altura (risos). Me tomavam por um atleta. Minha mãe, minha irmã e eu pudemos alugar uma casa no Juvevê, sem problemas, quando aqui chegamos em 1967.”
“Eu era estudante de Medicina e gostava de andar pelos corredores da universidade. Me detive nos quadros de formatura. Desde os anos 1950, havia apenas três negros, nenhuma mulher. Professor negro na faculdade de Medicina tive um, o Lafayette. Na minha turma de 1967, só havia uma pessoa negra, ou que se assumia negra, eu.” de racismo. Sutilmente devo ter sido alvo. Lembro de estar discutindo na universidade e um cara disse ‘pô, Black is Black’. Era como chamavam – eu não sabia. Podiam me chamar de Tigre, de Gorilão, eu tinha alguns apelidos. Os alunos me chamavam de Lothar, o valete do Mandrake. Não iam me chamar de Leonardo Di Caprio, né. Isso nunca me incomodou.”
Naturalização
“A naturalização foi um processo de dominação baseado em leis. Nos tempos de dom Pedro I era assim: todo cidadão brasileiro tinha direito à educação. E cidadãos eram os portugueses e seus descendentes nascidos no Brasil. Poderia até haver o direito à liberdade, mas ser escravo livre não dava direito à educação.”
“A naturalização é quando a gente não pensa mais. Deduz. A própria escola fez isso – os negros não estavam lá porque não era para estar. E se estivessem, era exceção. Vemos negro no avião como francês do mesmo modo que vemos a negra como empregada. Já me confundiram com o bedel em sala de aula. O que é mais cruel na naturalização? O oprimido aceitar a opressão, a violência como natural. É ver o outro como naturalmente não fadado ao direito…”
“A pior coisa é quando o dominado faz o discurso da naturalização: vou por meu filho interno para ver se aprende alguma coisa. Vai para o exército para aprender a respeitar. Quando o explorado repete cânones do explorador, tem-se a perfeição.”
Racismo
“Quatrocentos anos de dominação cultural e econômica na cabeça de um dominado acaba tendo uma força muito grande. Temos uma naturalização da tortura – tem de bater senão não confessa. É vagabundo, tem de dar porrada. Essa mentalidade vem da escravidão. O sonho da carteira assinada: a CLT, que é da década de 1930, traz o reconhecimento de ser registrado, o direito a salário. Isso vem acompanhado do aceite das pessoas de que é melhor colocar meu filho para aprender um ofício.
“De 1850 em diante, decreta-se o fim do tráfico, com a Lei Eusébio de Queiroz. Começa a emergir e revolução industrial e é preciso de braços para fazer produtos fabris. A Revolução Industrial já corria, mas Portugal se opõe às reformas propostas pelos ingleses. Fim do tráfico? Fim da escravidão? Remuneração, fim do latifúndio? Dom Pedro II se abraça com Thomas de Gabineau e a teoria racial emergente, porque interessa para ele a manutenção do Padroado. Os interesses econômicos se aproveitam de teoria pseudocientíficas com base racial. Com os judeus foi a mesma coisa…”
Portugal e Brasil
“Para entender a questão da ausência de negros nas escolas brasileiras, não temos de estudar apenas a história da África, mas a história de Portugal. É na Península Ibérica que está a matriz do país que somos hoje. Em 1551, Lisboa tinha 100 mil habitantes, 10% eram negros.”
Padroado
“O Padroado [sistema de poder que ali repressão, ideologia, religião] português sobrevivia em função de três bases – a monocultura; o latifúndio e a escravidão. O Padroado resistiu na Península Ibérica. Resistiu à Reforma Protestante. Portugal e Espanha viraram as costas para a modernidade. Não lhes interessava o que estava acontecendo na Inglaterra, Alemanha, França e Itália. Preferiram manter uma cultura parasitária. Foram 400 anos de Padroado, tempo o bastante para ser encarado como algo natural.”
“Um filho do senhor de engenho vai para Coimbra, estudar. Outro está na Casa Grande – vai herdar as propriedades, ser o sinhozinho; o terceiro vai para o sacerdócio. O padroado português inventou categorias. Só duas delas precisam ler e escrever, o que não inclui os proprietários e a grande massa de índios e negros. Com o tempo, até conhecemos negros letrados – Luiz Gama, José do Patrocínio, Machado de Assis, Castro Alves, os irmãos Rebouças. Mas não conhecemos nenhum negro que pertença à categoria dos proprietários”.
Imigrantes
“Com a vinda de dom João VI para o Brasil, em 1808, surgiu uma baixa classe média, que começou a exercer ofícios urbanos, o que inclui cuidar dos escravos. Eram os capitães do mato, origem da nossa polícia. É um assunto delicado. O Brasil todo começa aí. O Wilson Martins que me desculpe, mas os imigrantes não inventaram o país.”
“Debret descreve o Rio de janeiro como uma sociedade negra, porque só tinha trabalhadores negros. Mas não quiseram dar oportunidade à massa trabalhadora que estava aqui, que conhecia o trabalho rural. Havia marceneiros, artífices, todos negros, escravos ou libertos. Havia razões raciais, mas também razões econômicas. A teoria do branqueamento foi uma desmobilização de um movimento nascente de trabalhadores brasileiros…”
Capitalismo
“Nós pagamos o preço. O capitalismo foi tardio, o iluminismo não entrou em Portugal. Dom João VI lutou para manter a monocultura e escravidão. Portugal foi um país tão atrasado até o final da ditadura de Salazar. Tinha latifúndios enormes. Seguimos o modelo. A grande questão de 1964, qual foi? A posse da terra… O golpe não foi por causa do Jango, mas por causa da reforma agrária…”
As escolas
“Antes de dom Pedro II não havia preocupação com escolas no Brasil. A Constituição de 1824 falava do direito à educação, mas não houve organização nenhuma. Enquanto isso, na Europa, com exceção de Portugal e Espanha, já entrava forte a ideia de alfabetização para todos. Aqui não dava para fazer isso: constitucionalmente, os negros, indígenas, pobres e libertos não eram cidadãos.”
“As escolas profissionais eram para operários especializados, para técnicos agrícolas, professores, mas não era uma garantia de acesso à universidade. Repete-se nesse momento a dicotomia do padroado. A classe média incipiente começa a se mostrar no momento da urbanização, e se decide dar a ela o direito à escola profissional. Mas o sistema de oportunidade é menor para os negros. Essa desigualdade se torna um capital cultural, como mostra Bourdieu. Foi igual com os índios – eram levados para exposições internacionais, mas eram invisíveis como pessoas.”
A cultura
“O nobre, o digno, o pensador, o cidadão… esses pensam, dirigem e comandam. O servo e o bárbaro usam as mãos, fazem trabalho manual, que é algo maldito, um estigma, tanto quanto a cor. Veja só a história do futebol… o futebol só pegou na nobreza inglesa por uma razão: era jogado com os pés.”
“O Ozeil Moura [cônsul do Senegal] é um homem absolutamente negro. Ele conta que quando ia para a Europa, nos voos da Air France, as aeromoças vinham falar com ele em francês. Pedia que falassem em português. Depois ouvia desculpas. A naturalização é isso: para estar naquele voo, deveria ser de outra nacionalidade. Ou ser um jogador de futebol. Um negro pode ser também um artista, mas nunca um galã. Quem sabe um comediante: Chocolate, Grande Otelo, Mansueto…“
“Orlando Silva, Orlando Dias, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga eram negros do rádio. Tevê não. Tínhamos grandes cantoras negras – Edith Veiga, Ângela Maria, Ademilde Fonseca. Aracy de Almeida fez sucesso na tela, mas como jurada caricata do Sílvio Santos.”
“Sabe quem começou o rock no Brasil? O Baby Santiago… Carlos Gonzaga foi o rei do rock balada. Cantava todas as versões do Paul Anka e do Neil Sedaka. Você conhece algum ídolo negro na Jovem Guarda? As meninas do Trio Esperança não tinham o jeitão do Djalma Santos, né…””
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