Como um elemento da urina mudou o conceito da vida para sempre

No final do século 18, os químicos começaram a compreender que substâncias, materiais ou seres orgânicos no mundo que nos cerca – do ar à água, passando pelos metais, rochas e organismos vivos – são formados pelos mesmos ingredientes básicos, os elementos químicos.

Começaram a compilar listas desses elementos básicos – como hidrogênio, oxigênio, carbono e metais como ferro, cobre e ouro.

E desenvolveram técnicas para identificar e medir as proporções dos elementos em substâncias mais complexas ou “compostos”.

No começo do século 19, compreenderam que cada elemento é feito por pequenas e indivisíveis partículas chamadas de átomos, e que os compostos eram feitos desses átomos em diferentes disposições e combinações.

Foi assim que nasceu a química moderna, que criou um sistema para explicar como tudo está formado.

Mas havia uma coisa que ainda era um mistério para a ciência: as substâncias orgânicas.

Os químicos estudavam os compostos encontrados em seres vivos – animais e plantas – e viam que a maioria continha os mesmos elementos – em particular, carbono, oxigênio, hidrogênio e nitrogênio.

Mas não conseguiam decifrar as complexas combinações e misteriosas proporções desses compostos orgânicos, produzidos por organismos vivos.

Ninguém entendia como funcionava a natureza e a crença era de que havia algo único nos organismos vivos, uma misteriosa “força vital” que lhes dava uma habilidade especial para sintetizar químicos.

Essa teoria ficou conhecida como “vitalismo”, marcada pela diferenciação entre produtos naturais e aqueles que podiam ser fabricados em um laboratório.

Por causa disso, era impossível para eles recriar substâncias orgânicas em um laboratório.

Mas essa teoria foi virada de cabeça para baixo em 1828, graças a um químico alemão chamado Friedrich Wöhler.

Primeiro sintético

Wöhler criou a primeira substância orgânica feita a partir de componentes inorgânicos e assim foi o primeiro em transformar uma matéria inerte em um produto vivo.

Qual foi esse produto milagroso? Curiosamente, foi a ureia, um dos principais compostos da urina.

Não foi uma criação intencional: Wöhler não queria reproduzir a urina.

A história de sua descoberta havia começado alguns anos antes, em 1823, quando o jovem cientista alemão se mudou a Estocolmo, na Suécia, para estudar com o famoso químico sueco Jons Jakob Berzelius.

Um ano mais tarde, Wöhler encontrou algo interessante. Descobriu que, ao misturar amoníaco com uma substância chamada cianogênio, feita de cianeto, podia produzir o composto ácido oxálico e alguns cristais brancos que não conseguiu identificar.

Demorou quatro anos para que ele se desse conta de que esses cristais eram ureia.

O material tinha exatamente a mesma proporção de elementos que o sal conhecido como cianeto de amônio – uma parte de carbono e oxigênio, duas de nitrogênio e quatro de hidrogênio -, mas Wöhler via que não se comportava em absoluto como o cianeto de amônio.

Finalmente, concluiu que sua criação tinha as mesmas propriedades que a ureia, que até então só se havia encontrado de fontes vivas.

Marco

O descobrimento – que de fato criou duas substâncias orgânicas, já que o ácido oxálico que também fabricou se encontra em algumas plantas – entrou para os anais científicos como um dos marcos mais importantes da química.

Muitos consideram isso o nascimento da química orgânica, que hoje nos permite fabricar de medicamentos e combustíveis a perfumes.

Vários textos científicos escritos a partir de 1840 ressaltaram a criação da ureia sintética como o princípio do fim do vitalismo.

Os obituários de Wöhler, em 1882, dizem o mesmo: ele é considerado o homem que derrubou o muro entre o mundo vivo e o mundo inorgânico.

Cartas escritas entre Wöhler e seu professor, Berzelius, refletem um grande entusiasmo pelo feito conseguido, mas não o consideram o ponto final da teoria vitalista.

Em uma carta, Berzelius até pediu ao jovem que não deixasse que o achado o distraísse do resto de seu trabalho, que considerava mais importante.

Hoje, a tese de que Wöhler derrubou sozinho o vitalismo tem um nome: o “mito de Wöhler “. E é bem propagado.

Peter Ramberg, da Universidade Estatal Truman, no Missouri, Estados Unidos, fez um estudo de livros de textos sobre química orgânica e descobriu que 90% deles contêm “alguma versão desse mito”.

Ramberg e outros estudiosos modernos consideram que a ideia de que a força vital estava atrás da criação de matérias orgânicas foi declinando gradativamente – já era uma teoria desgastada em 1828, quando Wöhler sintetizou a ureia.

Mas o que é indubitável é que a descoberta do alemão demonstrou que os químicos podiam reproduzir produtos naturais, o que levou muitos deles a buscar imitar e inclusive rivalizar com a natureza.

Em poucas décadas conseguiram avanços enormes e, para fins do século 19, já tinha nascido uma indústria química que moldaria nossa vida moderna.

Por BBC

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bbraga

Sobre bbraga

Atuo como professor de química, em colégios e cursinhos pré-vestibulares. Ministro aulas de Processos Químicos Industrial, Química Ambiental, Corrosão, Química Geral, Matemática e Física. Escolaridade; Pós Graduação, FUNESP. Licenciatura Plena em Química, UMC. Técnico em Química, Liceu Brás Cubas. Cursos Extracurriculares; Curso Rotativo de química, SENAI. Operador de Processo Químico, SENAI. Curso de Proteção Radiológica, SENAI. Busco ministrar aulas dinâmicas e interativas com a utilização de Experimentos, Tecnologias de informação e Comunicação estreitando cada vez mais a relação do aluno com o cotidiano.

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